Acórdão do CNJ reconhecendo prática de nepotismo do TJSC

Acórdão com a decisão unânime do Conselho Nacional de Justiça reconhecendo a prática de nepotismo no Tribunal de Justiça de Santa Catarina. A denuncia foi feita pelo SINJUSC em maio e a decisão foi proferida pelo relator, conselheiro Felipe Locke Cavalcanti na terça-feira 5 de outubro. A decisão está disponível no site do CNJ, no link consulta processual, bastando digitar o númerodo PCA, e reproduzida abaixo.

Conselho Nacional de Justiça


PCA - PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO N.° 0003684-11.2010.2.00.0000


RELATOR : CONSELHEIRO FELIPE LOCKE CAVALCANTI


REQUERENTE : SINDICATO DOS SERVIDORES DO PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE SANTA CATARINA – SINJUSC


REQUERIDO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA


ASSUNTO : TJSC - NEPOTISMO - RESOLUÇÃO 7/CNJ - NOMEAÇÃO - CARGO COMISSIONADO - DIRETOR.


A C Ó R D Ã O


PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. DENUNCIA DO SINDICATO DOS SERVIDORES QUANTO A OCORRÊNCIA DE NEPOTISMO. FILHA E IRMÃO DE DIRETOR-GERAL DO TRIBUNAL. ALEGAÇÃO DE APLICABILIDADE DA EXCEÇÃO PREVISTA NA ALÍNEA “C” DO ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº 01 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. INAPLICABILIDADE EM RAZÃO DA SITUAÇÃO CONCRETA. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE PARA DETERMINAR AO TRIBUNAL A EXONERAÇÃO DOS SERVIDORES E A ABERTURA DE NOVO PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO.


I. A prática de nepotismo é fruto direto do poder de influência que exerce determinada autoridade ou servidor, quanto ao processo de disputa para cargos e funções na Administração Pública.


II. A existência de curto lapso temporal no qual nomeada filha de ex. Diretor-Geral do Tribunal em cargo de confiança, sem concurso público, não deixa de caracterizar a figura de nepotismo.


III. A aplicabilidade da alínea “c” do Enunciado nº 01 no caso concreto pode representar burla à vedação da prática nepotismo, na medida em que seria possível criar situação de exceção com a simples lacuna de exercício de cargos e funções comissionadas pelo servidor determinante da incompatibilidade, o que representa afronta direta ao princípio da moralidade administrativa.

III. Pedido julgado procedente para determinar ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina a imediata exoneração dos servidores e a abertura de novo procedimento com relação à ocorrência da figura de ingresso de servidores por “transposição”.

Vistos, etc.


Trata-se de Procedimento de Controle de Ato Administrativo interposto pelo Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário de Santa Catarina– SINJUSC, em face do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, onde este relata a ocorrência de nepotismo no quadro de servidores do Tribunal, em suposta infringência da Resolução nº 07 deste Conselho Nacional de Justiça.


Argumentou o requerente que o nepotismo decorre da relação de parentesco entre os servidores Sérgio Galizza, Celso Galizza e Fernanda Galizza. O primeiro ocupante do cargo de Diretor-Geral do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, o segundo Chefe do Setor de Arquitetura e a última, assessora de Magistrado.


Foram solicitadas informações ao Tribunal que prontamente as prestou, negando a prática de nepotismo. Argumentou o Tribunal catarinense em síntese que o Sr. Sérgio e o Sr. Celso fazem parte do quadro efetivo de servidores do Tribunal, tendo ingressado o segundo pela forma de “transposição” em 1994. Quanto a Sra. Fernanda, filha do Sr. Sérgio, a argumentação é, em síntese, de que não há relação de subordinação entre ambos, tendo sido nomeada a filha do servidor no cargo de recrutamento amplo que ocupa, na época em que seu pai – por determinado período – não ocupava qualquer função de confiança no Tribunal.


Foram também intimados os servidores que apresentaram manifestação escrita.


É, em resumo o relatório.


O Sr. Sérgio Galiza é servidor do Tribunal de Justiça de Santa Catarina desde 1979. O primeiro cargo relevante que assumiu no Tribunal foi o de Assessor Especial da Vice Presidência em 1994. Depois disso, ocupou vários outros cargos, inclusive na Corregedoria de Justiça do Estado. Em 2001 exerceu o cargo de Diretor-Geral Adjunto, em 2002 começou responder pela Diretoria Geral Administrativa do Tribunal, em 2004 exerceu o cargo de Diretor-Geral que manteve até 2008, sendo, em 2010, mais uma vez, erigido ao cargo de Diretor-Geral Administrativo.


A filha do servidor, Fernanda Galizza, foi nomeada para o cargo de Assessor Judiciário em abril de 2008 – cargo de recrutamento amplo, sem concurso público – sendo hoje ocupante do cargo de Assessor Jurídico no gabinete da Juíza Haidee Denise Grin.


Nas informações prestadas os servidores afirmam que não há nepotismo configurado, em razão da nomeação da servidora ter se dado em ocasião em que o Sr. Sérgio não ocupava qualquer função de confiança no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, excepcionada a situação pela alínea “c”do Enunciado nº 01 do Conselho Nacional de Justiça, in verbis:


“C) As vedações previstas no art. 2º da Resolução nº 07, de 18 de outubro de 2005, não se aplicam quando a designação ou a nomeação do servidor tido como parente para a ocupação de cargo comissionado ou de função gratificada foram anteriores ao ingresso do magistrado ou do servidor gerador da incompatibilidade, bem como quando o início da união estável ou o casamento forem posteriores ao tempo em que ambos os cônjuges ou companheiros já estavam no exercício das funções/cargos, em situação que não caracterize ajuste prévio para burlar a proibição geral de prática de nepotismo.


Para que seja reconhecida a prática de nepotismo é importante verificar a existência de relação de poder, capaz de interferir na escolha de determinada pessoa para cargos e funções na Administração Pública.


A prática de nepotismo é fruto direto do poder de influência que exerce determinada autoridade ou servidor quanto ao processo de disputa para cargos e funções na administração pública.


Não é possível deixar de reconhecer que servidor que ocupou e ocupa por mais de 10 (dez) anos cargos comissionados – dentre eles o mais relevante da careira que é o Diretor-Geral do Tribunal –exerce uma relação de influência determinante em processos de escolha para cargos e funções comissionadas neste mesmo Tribunal.


A exceção do Enunciado nº 01/CNJ não se aplica quando há apenas um lapso temporal curto de nomeação para funções de confiança do servidor gerador da incompatibilidade, como no caso dos autos.


O Sr. Sérgio Galizza foi nomeado para exercer o cargo de Diretor-Geral do Tribunal de Justiça de Santa Catarina em 03/02/2004, permanecendo até 01 de fevereiro de 2008, quando foi exonerado. A filha do ex. Diretor-Geral foi nomeada para cargo de recrutamento amplo em 04 de abril deste mesmo ano (2004), sendo hoje, em razão do retorno ao cargo em comissão pelo Sr. Sérgio Galizza, filha do atual Diretor-Geral do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.


A interpretação que o Tribunal deu ao enunciado – afirmando a aplicabilidade da alínea “c” do Enunciado nº 01 – pode representar clara burla à vedação da prática nepotismo, na medida em que seria possível criar situação de exceção com a simples lacuna de exercício de cargos e funções comissionadas pelo servidor determinante da incompatibilidade, o que representa afronta direta ao princípio da moralidade administrativa.


Neste sentido, Maria Sylvia Zanella Di Pietro ensina sobre ofensa ao principio da moralidade administrativa que:


"...sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a idéia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade"


Por óbvio que a ofensa ao princípio da moralidade administrativa deve ser analisada subjetivamente, pois embora o ato administrativo possa em análise superficial possa parecer legal, a imoralidade administrativa produz efeitos jurídicos, porque acarreta a sua invalidade.


À vista destas ponderações, entendo que, muito embora o provimento do cargo de assessoria tenha se dado no momento em que não ocupava o servidor gerador da incompatibilidade, cargo ou função comissionada, o exercício do cargo de recrutamento amplo pela filha do atual Diretor-Geral do Tribunal – que já exerceu tal função em passado recente e por muito anos – como no caso concreto, não compadece com o significado e o alcance dos princípios constitucionais da impessoalidade e da eficiência.

Assim, tem-se que é evidente a caracterização do nepotismo, com clara afronta ao princípio da moralidade administrativa no caso da Sra. Fernanda Galizza que não pode ocupar cargo comissionado no Tribunal de Justiça de Santa Catarina.


Há ainda denuncia quanto ao servidor Celso Galizza.


Celso Galizza, irmão do Diretor-Geral, foi “enquadrado’ no cargo de Técnico Judiciário Auxiliar por “transposição” em dezembro de 1993, de acordo com sua ficha funcional “conforme o artigo 1º da Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1993”.


A denuncia do Sindicato requerente diz respeito ao exercício do cargo de Diretor de Engenharia e Arquitetura pelo servidor desde 2006. Quanto a este fato o Tribunal de Justiça de Santa Catarina informou a exoneração do servidor do cargo que ocupava, posto que diretamente subordinado a seu irmão Sérgio Galizza, reconhecendo assim a ocorrência de nepotismo na situação narrada.


No entanto, o sindicato noticiou, em 13 de agosto último, que em 27 de julho passado, foi nomeado novamente o servidor para exercício de função de confiança, agora como: “Assessor de Planejamento, com lotação da Assessoria de Planejamento – ASPLAN/Gabinete da Presiência”.


Não há possibilidade do servidor Celso Galizza ocupar tal cargo, é que a função de seu irmão, Diretor-Geral do Tribunal, por se tratar do mais alto posto da administração ocupado por um servidor, irradia sua influência por todas as áreas do Tribunal e, sendo assim, mesmo a exceção da não-vinculação direta da Resolução nº 07 do Conselho Nacional de Justiça, neste caso específico, fica prejudicada.


Fixado o parentesco direto, desta forma, não há como manter o servidor em exercício de função de confiança, em razão da caracterização da figura do nepotismo.


Noutro aspecto, ainda quanto ao Sr. Celso Galizza, chamou atenção a notícia de servidor público do Judiciário ingresso nos quadros da administração por “transposição”, no ano de 1993.


Como se sabe, o entendimento pacificado no Supremo Tribunal Federal é de que o ingresso no serviço público se dá mediante concurso público, sendo inclusive a matéria objeto da Súmula nº 685, a qual dispõe:


“É inconstitucional toda modalidade de provimento de que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido".


Obviamente que a transposição do servidor em outro cargo diverso do original não restará maculada em algumas hipóteses[1], como por exemplo, no caso do servidor efetivado no órgão em que se dará a recolocação e quando tenha se submetido a concurso público similar em dificuldade e exigências ao realizado para o cargo em que se dará o novo provimento, no entanto, não se tem, pelas informações prestadas, notícias que possam esclarecer quanto a estes fatos.


Ante o exposto, julgo procedente o pedido do Sindicato, para determinar ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina a imediata exoneração da servidora Fernanda Galizza do cargo que ocupa e, da mesma forma a exoneração do Sr. Celso Galizza da função comissionada de Assessor de Planejamento, determinando, outrossim, a abertura de novo Procedimento de Controle Administrativo para a apuração dos casos de servidores do Tribunal de Justiça daquele Estado que tenham ingressado nos seus quadros, mediante a figura da “transposição” inclusive o caso do Sr. Celso Galizza que deverá, neste aspecto, também ser analisado.


Conselheiro FELIPE LOCKE CAVALCANTI
Relator

[1]ADin 2713/DF e ADin 1.150/RJ

Comentários

  1. Quanto ao Sérgio nada tenho a dizer... Quanto a Celso, relato que há muito tempo ele tinha se aproveitado do cargo do irmão, em razão de ser o seu chefe, e não desenvolveu corretamente sua função de MEU chefe, mencionando que eu não teria para quem me queixar.. na época... o que efetivamente ocorreu (não fiz queixa alguma). Talvez Sérgio fosse me escutar, talvez... nunca falei com ele, já que imaginava que, na condição de irmão de Celso, Sérgio não tomaria atitude alguma. Nunca vou saber. Afinal, na condição de subordinada a Celso e muito jovem, fiquei calada! Diversa seria, com certeza, a situação se Sérgio não fosse irmão e chefe de Celso! Não desmereço a qualidade técnica de cada um deles, mas, no meu caso, esta relação de subordinação me prejudicou...
    Não necessito assinar este comentário. Se Celso chegar a ler, ele saberá quem escreveu!

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